sábado, 28 de setembro de 2019

"Deslize", ele disse

Por algum tempo, não foi parte. Foi inteira.
Um reencontro, pensou.
Mas a verdade é: nem parte nem inteira.
"Foi apenas um deslize", ele disse.
Encerrou-se a questão.


domingo, 28 de junho de 2015

Chegou a hora

Chegou a hora de empacotar tudo, separar o que vai e o que fica. Com dor no coração, percebi que chegou a hora de me despedir dele. Longo, de tecido nobre, vermelho Valentino e caríssimo. A verdade é que aquele vestido maravilhoso já não faz parte da minha vida. Por mais lindo que seja, olho para ele e nada acontece: não me vejo cruzando um salão, uma igreja ou qualquer evento com ele. Não me sinto capaz de estar confortável ali dentro. A pessoa que o comprou em 2009 não existe mais. Emagreci, li muitos livros, amei verdadeiramente, chorei muito pelas perdas do caminho, tive de cair na real muitas vezes, enchi o saco dos meus amigos, trabalhei bastante, fiz muitos plantões, conheci inúmeras pessoas, preocupei minha mãe, me senti culpada, pedi desculpas por coisas que não fiz, julguei e fui julgada, entrei e saí de muitos aviões, comi muito amendoim, comprei uns vestidos novos, usei muita maquiagem e Deus sabe mais o que. O fato é que tudo isso me transformou, e ele vai ter de ficar para trás. O vestido mais caro que já entrou no meu guarda-roupa não vai entrar no meu novo guarda-roupa. Poderia ser triste, mas não é. Já não vale a pena mantê-lo na embalagem fina da loja, todo ensacado, quando ele deveria estar passado, reinando em um cabide prestes a ser usado. Ele merece mais. E eu também. Nossa separação acontece de comum acordo, para a felicidade de ambos. O problema não sou eu nem ele. A questão é que não rola mais. Sem enganação, sem brincar com o sentimento de ninguém, resolvemos ser leais um com o outro: eu levarei apenas o vestido curto de paetês prata, e ele será doado para alguém que o mereça verdadeiramente e o queira com a mesma intensidade que um dia eu quis. Seremos felizes.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Jeans velho e desbotado

Dia desses sonhei com ele. Os cabelos estavam mais curtos e menos ondulados. A barba havia sumido. Ele não parecia tão alto. Usava jeans velho e desbotado, daqueles que parecem completamente acostumados ao corpo de quem o veste. Um dia aquelas calças já teriam sido escuras, mas hoje um azul claro que caminha para o branco a tinge por completo. Nos pés, bem, nos pés, eu não consegui ver o que calçava. Se vida real fosse, tênis seria minha aposta. Mas em sonho, ah, em sonho se pode sonhar com qualquer coisa. A blusa de moletom era lilás ou deveria ter sido, já que também carregava consigo a cor típica das roupas mais do que usadas e lavadas. Cheguei a tocar seu rosto quando ele surgiu para me defender de uma ameaça que parecia real mesmo no sonho. O rosto barbeado era liso, liso. Tão liso e macio quanto o moletom quase sem cor que eu também cheguei a tocar no momento em que ele me defendia daquela ofensa, daquela ameaça ou daquele assédio – ainda não sei do que se tratava. Também não sei quanto tempo durou o sonho, nem quanto tempo levei para notar detalhadamente a roupa que ele usava – coisa que na vida real, jamais faria. Sei que acordei agitada. Sei que acordei com saudade.

O segredo

"O segredo da minha lucidez é não acreditar em juventude eterna", Audrey Hepburn


sábado, 26 de abril de 2014

Gente como a gente. Apenas

Aí a São Paulo Fashion Week rolava em São Paulo, a Gisele Bündchen mais uma vez causando burburinho, os famosos (cada vez mais raros) indo e vindo, a sala de imprensa cheia. Tudo dentro dos conformes. Até que, sentada, já na sala de desfile, assistia a vigésima vez um vídeo promocional do qual eu decorei a música e as frases - sei que decorei porque hoje vi a mesma peça publicitária na TV e batata, me peguei falando antes do narrador. Ao fim da projeção, as luzes se apagaram: as novidades da grife de moda praia iriam ir e vir em instantes. Lá pelo terceiro look, uma garota ao meu lado, que fotografava sem parar, me disse "nossa, essa luz está sendo cruel com as modelos. Que horror." Fiz que não ouvi e segui prestando atenção nos tecidos, nas estampas - e na falta delas - nos calçados, no make e nos acessórios. Mas eu ouvi bem. Ela estava falando do fato de as celulites e imperfeições dos corpos das meninas estarem saltando aos olhos por causa de uma iluminação direcionada para elas. Ouvi tão bem a ponto de notar um certo alívio na voz dela, algo do tipo "até elas". O fato de a garota ter falado durante o desfile já seria o suficiente para me irritar, mas bradar um julgamento ali, protegida na plateia escura e coberta de roupas da moda, me matou um pouco. As modelos são lindas, altas, magras e estilosas, mas acima de tudo são gente. Gente que tem cicatriz, gente que tem celulite e estria, gente que fuma, gente que bebe, gente que chora, gente que posta foto em rede social. Gente. De tanta coisa que vi nas semanas de moda da temporada verão de 2015 - e olha que foram uns 35 desfiles-, o comentário da menina que não tirou os olhos da câmera enquanto julgava as modelos foi o que mais me marcou. Por isso, em verdade vos digo, julgamentos seguem breguérrimos. E eles arruinam qualquer look. Fica a dica.

domingo, 16 de março de 2014

Que ousados somos nós!



A vida às vezes é dura. Tão dura que se esquece o blog, as roupas, as bolsas, os saltos e a moda. Não há tempo para nada quando todo o tempo é dedicado ao sofrer, quando todo tempo é usado para lidar com os julgamentos, quando todo o tempo é canalizado para tentar superar a culpa e o medo. Medo de não ser amada, medo de ser o erro, medo de não ser mais ninguém. São tantos os medos.

A vida às vezes é dura. Mas uma hora ela fica menos carrancuda e a gente ousa voltar a sonhar, a comprar roupas, bolsas, saltos. Ousa até a escrever. Que ousados somos nós! 

Pensamento fashion de Yves Saint Laurent


"Não deve haver apego às modas, nem acreditar muito nelas. Isto é, não se deve deixar dominar por elas. É preciso olhar cada moda com humor, superá-la, acreditar suficientemente nela para dar a impressão de vivê-la, mas não demasiadamente, para poder conservar a liberdade"